março 21, 2006

Touradas


Tentando perceber as “tradições”, colocando-me no lugar do “outro”, que às vezes está tão perto de nós que nos confunde ao limite da racionalidade, este excerto fez-me perceber melhor o fenómeno tauromáquico e o que ele tem de mais chocante para a maior parte das pessoas (nas quais me incluia):
«Alguns animais emblemáticos são, (...), investidos de uma particular carga simbólica. Tal é o caso do toiro de lide. Deus mediterrânico antigo, umas vezes feroz e destrutivo, outras fértil e generoso, ao mesmo tempo criminoso e maná do bodo aos pobres, o toiro bravo tem sido símbolo de força, de poder, de fertilidade. E de insubmissão, num duelo ancestral com o homem. Criação humana, permanece porém altivo na sua bravura e desafiante na sua natureza irredutível. Do toiro não se pode ter pena, que isso é sentimento para os fracos. Nas sociedades onde permanecem cultos taurinos, o toiro bravo sugere medo e paixão. Por isso, é ele, e não outro animal qualquer, o sacrificado. São as suas qualidades excepcionais que procuram os que o comem. // Essa carga simbólica está na origem de rituais que comportam, entre muitas outras coisas, a violência, é certo. Mas, desde logo, estão longe de deter dela o monopólio. A violência faz parte da vida e manifesta-se muitas vezes de forma desregulada e contra as pessoas. As touradas constituem, pelo contrário, instrumentos de controlo da tensão e da agressividade. Depois, se violência existe, ela é regulada e vai de par com a paixão que se sente pelo animal, incluindo o destino heróico para que foi criado. Um destino “natural”, do ponto de vista de quem os cria, os alimenta e com eles vive em equilíbrio. De resto, do ponto de vista da festa, a verdadeira natureza do toiro de lide realiza-se e exprime-se pelo acto de que morre: a bravura e a nobreza na luta (Wolf, 1999).»
Este excerto pertence a um artigo intitulado «Barrancos na Ribalta, ou a Metáfora de um País em Mudança», a autoria é de Luís Capucha, sociólogo. O texto completo encontra-se em:

(fotos Karura)

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